TCU Recomenda uso de Dispute Board em Contrato de Obra Pública
Publicada em: 04 de novembro de 2025
1. A Comissão de Arbitragem da OAB/MG, manifesta-se sobre os fundamentos do Acórdão nº 2191/2025/Plenário do TCU, de relatoria do Ministro Antonio Anastasia, em que se recomendou à Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB), em projeto relativo à expansão do Metrô de Salvador/BA, incorporar, no edital, no contrato ou em futuras contratações, o uso de Dispute Board (“DB”), em modalidade permanente e vinculante (“DAAB”).
2. O Dispute Board consiste em mecanismo extrajudicial voltado para a prevenção e resolução de disputas, em que um comitê, composto por profissionais especializados e independentes, acompanha periodicamente a execução do contrato. Sua adoção visa evitar paralisações das obras, reduzir custos com litígios, oferecer soluções especializadas e céleres, viabilizando a entrega de obras no prazo e preservando o relacionamento entre as partes.
3. O Dispute Board é uma forma de resolução de disputas compatível com o Direito Administrativo contemporâneo na medida em que, notadamente pelas vantagens listadas, assegura o interesse da coletividade e a adequada utilização dos recursos públicos.
4. Neste aspecto, pode-se dizer que o DB, especialmente na modalidade DAAB, é um instrumento indutor de maior eficiência nos resultados contratuais. Com efeito, considerando que uma das principais vantagens para a implementação do DAAB é a redução da probabilidade de que divergências técnicas escalem para litígios que possam paralisar a obra ou gerar custos adicionais significativos, a implementação do mecanismo é medida alinhada com os princípios da eficiência e economicidade, previstos no art. 31 da Lei 13.303/2016 [1].
5. Ademais, a utilização deste método contribui para melhorar a estrutura de governança contratual, promovendo benefícios como a prevenção de litígios ou a sua imediata solução, por meio classificado como mecanismos consensual, cuja utilização é dever legal da Administração Pública. Portanto, o DAAB é instrumento plenamente compatível com os pilares do regime jurídico-administrativo.
6. A utilização do Dispute Board em contratos públicos é reiteradamente recomendável para os contratos administrativos, o que pode ser extraído de previsão normativa [2], em especial da Lei 14.133/2021, arts. 151 a 154 [3], e por decisões do próprio TCU.
7. Nos termos do Acórdão do TCU ora analisado, é recomendável que o modelo de DB a ser utilizado seja, preferencialmente, o permanente e vinculante (DAAB), que permite a exploração de uma característica peculiar: o de prevenção (“avoidance ”) dos litígios, conferindo efetividade para a sua atuação. Registra-se, contudo, existir o modelo de DB “ad hoc ”, utilizado excepcionalmente, formado apenas quando surge o litígio.
8. Entre as vantagens na utilização do modelo DAAB, proposto no recente no Acórdão do TCU estão: i) aumento da probabilidade de a obra acabar no prazo contratado; ii) custos significativamente menores do que lidar com frequentes litígios nos projetos de construção; iii) alta taxa de resolução imediata de disputas entre as partes; iv) celeridade na resolução das disputas submetidas ao DB; v) melhoria do ambiente de negócios; vi) prevenção dos conflitos evitando a suspensão da obra; vii) mitigação do risco da “indústria de pleitos” ou de pleitos frívolos ou sem fundamento técnico/jurídico; e viii) aperfeiçoamento da gestão contratual.
9. A título de exemplo, o Acórdão em análise expressamente menciona que a utilização do DB promove “maior efetividade dos investimentos” e “uma Administração Pública mais efetiva ”, o que pode ser corroborado pela exigência da sua utilização, desde 1995, em contratos financiados pelo Banco Mundial. A receptividade quanto à utilização de DB nos contratos públicos pode ser evidenciada, ainda, em outras decisões do TCU [4].
10. Ressalta-se, contudo, que o instituto é uma ferramenta endocontratual, sem poder jurisdicional, o que segue sendo exclusividade do Poder Judiciário ou da Arbitragem. Contudo, o Poder Judiciário, na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal (CJF) de 2016, não só reconhece como cita o método em três Enunciados (n. 49, 76 e 80) [5], prestando esclarecimentos a respeito e recomendando sua a utilização. Nos enunciados, o CJF cita que o DB se enquadra como um dos possíveis métodos de solução consensual incentivados pelo Código de Processo Civil Brasileiro.
11. O uso do DB também é oportuno e recomendável em razão da necessidade de o gestor público observar o consequencialismo das decisões públicas a serem tomadas, conforme determina o art. 20, da LINDB, especialmente em obras complexas, mitigando o cenário evidenciado desde o nascedouro do próprio Fiscobras com milhares de obras paralisadas (BRASIL, 2016), o que, notadamente em obras públicas como a do Metrô de Salvador, teria efeitos nefastos para a qualidade de vida da população, mobilidade urbana, turismo e para os cofres públicos.
12. Visando promover a adequada utilização do referido método de resolução de disputas, o Núcleo Especializado em Arbitragem da Advocacia Geral da União (NEA-AGU) [6] anunciou Consulta Pública sobre a minuta da Portaria de Regulamentação dos Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em âmbito Federal.
13. Em conclusão, o TCU, de forma apropriada e com rigor técnico e jurídico evidenciado pelo voto do Ilustre Relator, Ministro Antonio Anastasia, reconheceu que a utilização do Dispute Board em contratos públicos de infraestrutura e construção, na modalidade DAAB, não só é juridicamente possível como constitui boa prática de governança contratual, prevenindo ou reduzindo litígios, evitando paralisações de obras e protegendo o erário. Esse entendimento representa evolução em relação a posições mais restritivas anteriormente adotadas, indicando ser recomendável a referida utilização mesmo antes de qualquer regulamentação interna sobre o tema, bastando a previsão no edital ou em contrato.
Francisco Maia Neto (Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/MG)
Renata Faria Silva Lima (Vice-Presidente da Comissão, Relatora da Nota Técnica)
Deborah Kelly Martins de Mello (Secretária-geral da Comissão de Arbitragem da OAB/MG)
Relator: Roberto Vasconcelos Novais
Comissão Redatora: Danielle Ziade, Felipe Moraes, Murilo Melo Vale
[1] “Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo.”.
[2] Destaca-se, ainda, a existência de legislações municipais que regulam dos Dispute Boards, anteriores à Nova Lei de Licitações, como a Lei 16.873/2013 e Decreto 60.067/2021 do Município de São Paulo; Lei 11.241/2020 do Município de Belo Horizonte, normas que refletem as melhores práticas internacionais como: i) escolha entre modelo com natureza revisora, adjudicativa ou híbrida; ii) constituição por três especialistas (normalmente com formação em Engenharia ou em Direito);iii) necessidade de se observar as indispensáveis imparcialidade e independência de todos os membros do Comitê/Board.
[3] Cabe mencionar a iniciativa da ANTT ao convocar audiências públicas e, posteriormente, expedir a Resolução 6.040/2024, que regulamenta a utilização do Dispute Board nos contratos regulamentados por aquela Agência, visando dar cumprimento ao Acórdão 4.036/2020-TCU Plenário.
[4] Acórdãos 614/2025, 199/2025, 1.369/2025, 2.101/2024, 1.062/2024, 768/2024, 1.142/2023, entre outros.
[5] “Enunciado 49 – Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são método de solução consensual de conflito, na forma prevista no § 3o do art. 3o do Código de Processo Civil Brasileiro; Enunciado 76 – As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada; Enunciado 80 – A utilização dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards), com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução dos conflitos surgidos no curso da execução dos contratos.”.
[6] Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-abre-consulta-publica-sobre-regulamentacao-de-comites-de-prevencao-e-solucao-de-disputas. Acesso em 03 nov. 2025. https://www.gov.br/participamaisbrasil/regulamentacao-dos-comites-de-prevencao-e-solucao-de-disputas. Acesso em 03 nov. 2025.
