Você já parou para pensar que, em uma obra, todos os contratos estão interligados entre si? O contrato da fundação tem relação com o contrato de fornecimento de concreto, que impacta no contrato de locação de equipamentos, que por sua vez depende do contrato de empreitada. E se um desses falhar… o efeito dominó, ou melhor, o caos se instala. E é justamente nesse ponto que surge o conceito – ainda pouco explorado – de ecossistema contratual na construção civil.

Por definição, um ecossistema é um conjunto interligado de elementos que dependem uns dos outros para funcionar de forma harmônica. No mundo dos contratos, essa lógica também se aplica. Antoine Garapon e Jean Lassègue (2021) já apontavam que “o ecossistema refere-se à ideia de um organismo e de um equilíbrio a ser constantemente encontrado e preservado… nada é completamente isolado, tudo interage”[1] .

Na construção civil, esse ecossistema é formado por uma teia complexa de contratos que formam a base jurídica de qualquer obra e que viabilizam a entrega de um projeto. São dezenas — às vezes centenas — de acordos que coexistem e se interdependem: compra e venda, empreitada, locação, comodato, mútuo, prestação de serviços, entre outros.

Contratos em uma obra são como plantas em um mesmo jardim. Pode parecer que estão em vasos separados, mas todas compartilham o mesmo solo, recebem a mesma água, sol e cuidados. Se uma delas adoece, o risco de espalhar para as demais é enorme. No ecossistema contratual, é igual: um contrato mal cuidado pode contaminar todos os demais e o bom funcionamento da obra, pois eles não existem em isolamento; estão no mesmo ecossistema, podendo gerar impactos no cronograma e orçamento e até mesmo na reputação da empresa.

Esse ecossistema é administrado por uma matriz colaborativa de profissionais, na qual se insere o advogado. Não basta redigir contratos e deixá-los engavetados, esperando que funcionem automaticamente. A realidade de uma obra exige uma gestão estratégica e contínua desse organismo complexo.

Na prática, o advogado atua em cinco frentes principais: (i) elabora o contrato com definição clara de escopo, partes envolvidas, cláusulas e riscos; (ii) formaliza a contratação com os devidos anexos técnicos e operacionais; (iii) acompanha a implementação do contrato e suas interfaces e; (iv) monitora o cumprimento de prazos, qualidade e conformidade e; (v) intervém, quando necessário, mediante a gestão de pleitos, acordos ou métodos adequados de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem.

O principal objetivo de um bom setor jurídico na obra? Permitir o bom andamento da obra e evitar os famigerados pleitos (ou claims, para os mais íntimos).

um pleito surge quando há um descumprimento percebido do contrato, necessitando de um processo coordenado de identificação até a liquidação. Este processo é essencial para corrigir falhas e garantir a continuidade da obra, por isso a importância de um sistema padronizado de gerenciamento de documentos para facilitar este processo”[2].

Nesse contexto, o papel do advogado vai muito além da simples revisão de cláusulas. Cabe a ele construir a arquitetura jurídica da obra, organizar documentos, padronizar cláusulas, orientar gestores e acompanhar toda a execução com um olhar preventivo, mas sem perder de vista o olhar técnico. Uma atuação proativa evita litígios, reduz riscos e favorece soluções colaborativas.

Manter esse ecossistema saudável exige uma série de boas práticas: padronização de documentos, definição clara de condições gerais, checklists bem estruturados, integração entre engenharia, suprimentos e jurídico (em todas as fases da obra — do planejamento à entrega final), capacitação da equipe na leitura e compreensão de cláusulas, revisões pós-projeto para aprendizado contínuo e, especialmente, o uso de tecnologia para organizar e monitorar todos os contratos envolvidos.

Obras com gestão contratual eficiente enfrentam menos litígios, têm menos retrabalho, operam com mais previsibilidade e controle de riscos, mantêm melhores relações com fornecedores e contratados, e ganham agilidade na tomada de decisões e no gerenciamento de pleitos. Além disso, preservam a cadeia produtiva e fortalecem a continuidade das relações comerciais.

Mesmo diante de conflitos e pleitos, é essencial que contratado e contratante mantenham uma relação comercial funcional. Por isso, a atuação jurídica deve ser preventiva e colaborativa. Um ecossistema contratual mal cuidado pode ruir como uma fundação comprometida. Por outro lado, uma gestão bem estruturada garante que a obra avance com solidez, mesmo diante de imprevistos.

Gerenciar um ecossistema contratual de forma estratégica é proteger o empreendimento como um todo. Empresas que adotam essa visão evitam prejuízos, fortalecem a confiança com parceiros e criam um ambiente propício à inovação e ao crescimento sustentável.

E você, já refletiu sobre como está o ecossistema contratual da sua obra? Pensar juridicamente não é burocracia. É inteligência aplicada à construção.

 


 

[1] NACCACHE, Andréa Martos. Ecossistemas contratuais: a experiência do direito do consumidor. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 13, n. 2, 2024. Disponível em <https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/988>. Acesso em 25/04/2025.

[2] SILVA, T. J. S., ANDERY, P. R. P. Diretrizes para a gestão de pleitos em projetos de grande porte no setor da construção no Brasil. In: Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, 20., 2024, Maceió. Anais. Maceió: ANTAC, 2024.