Como temos discutido ao longo dos artigos anteriores, a administração contratual é um fator estruturante para o sucesso de obras de engenharia. A forma como contratos são geridos, documentados e acompanhados impacta diretamente o andamento e resultado da obra, a prevenção de litígios e a segurança jurídica dos envolvidos.

Nesse contexto, a recente publicação da quarta edição do Compêndio de Sentenças Arbitrais Públicas do CAM-CCBC oferece uma oportunidade relevante para analisarmos, com base em casos concretos, como a administração contratual pode ser determinante em arbitragens envolvendo grandes empreendimentos de construção civil.

A publicação trata de uma parte do acervo organizado pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), reunindo decisões arbitrais tornadas públicas por determinação legal ou em razão de sua judicialização — sejam ações de execução ou anulação de sentença arbitral.

A seguir, apresentamos uma breve análise de duas dessas decisões e apontamos como elas se conectam, na prática, com os temas que temos explorado no âmbito da administração contratual, que perpassam, em especial, pela necessidade de se manter uma documentação adequada pelas partes ao longo da obra.

Lições Práticas: o que as arbitragens estão nos dizendo sobre gestão contratual?

Tomemos como primeiro exemplo o caso Efacec do Brasil Ltda. vs. Petrobras – UTE Arembepe, que discute um contrato para a implantação de usina termoelétrica em Camaçari/BA. O litígio envolveu temas como: atrasos na entrega da obra, equilíbrio econômico-financeiro do contrato, aumento imprevisível no custo de insumos, alocação de riscos, impactos decorrentes da desmobilização antecipada da obra, entre outros.

O ponto central da controvérsia foi a imputação de responsabilidade pelo atraso e o consequente rateio da penalidade contratual: 65% atribuídos à Petrobras e 35% à Efacec, por condutas omissivas e comissivas que agravaram o resultado. Assim, a decisão arbitral reconheceu que ambas as partes contribuíram para o descumprimento contratual. A via buscada pelos árbitros para solução da controvérsia ressalta a importância de registros objetivos e contínuos que documentem a atuação (ou omissão) de cada agente envolvido.

Essa sentença ecoa diretamente o que temos tratado em nossos artigos sobre administração contratual: a obra não se resume ao contrato assinado, mas à sua gestão dinâmica, contínua e documentada ao longo de toda a execução.

Pleitos mal documentados, defesas frágeis

Outro exemplo relevante vem de um caso também envolvendo a Efacec do Brasil Ltda., novamente relativo à construção de usina termoelétrica em Camaçari/BA — desta vez, em litígio com a Energética Camaçari Muricy I S.A decorrente de Contrato de Engenharia, Suprimentos e Construção com regime de empreitada total por preço global (“turn-key”). O tribunal arbitral enfrentou temas como o impacto de atrasos, desequilíbrio contratual, valores pagos a subcontratadas, prestação de serviços fora do escopo e até alegações de danos morais.

A análise da sentença parcial revela um padrão recorrente: as partes que não organizam adequadamente seus registros — ou deixam de conectar o ocorrido ao previsto contratualmente — têm maior dificuldade em comprovar seus pleitos. E isso pode refletir em improcedências, penalizações e dificuldades de recomposição financeira.

Em muitos casos, os litígios são fruto da ausência de uma boa administração contratual, que não acompanha o avanço da obra com a robustez necessária.

Do papel à prática: maturidade contratual e prevenção de litígios

A publicação das sentenças pela CAM-CCBC nos permite extrair lições reais e importantes. Não se trata de defender que litígios são evitáveis, mas de reconhecer que muitos deles podem ser mitigados, reduzidos ou melhor gerenciados se houver:

  • maior cuidado na redação contratual inicial;
  • integração entre áreas desde a fase pré-contratual;
  • gestão proativa de riscos e alterações e;
  • principalmente, um jurídico presente e estratégico durante todo o ciclo de vida do contrato.

Quando o jurídico atua apenas na arbitragem ou no contencioso judicial, chega tarde demais. A chave está na atuação prévia e na construção de uma narrativa documental coesa, que permita reconstruir a “história da obra” com segurança.

Assim como bons engenheiros não constroem sem fundações sólidas, bons projetos não sobrevivem sem uma administração contratual madura. As decisões da CAM-CCBC deixam claro: o que não se documenta, não se prova. E o que não se administra, se perde.

Se a sua empresa atua no setor de infraestrutura ou construção, vale a pena refletir: sua gestão contratual está preparada para suportar — e resistir — a uma arbitragem ou processo judicial?


Fonte: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/wp-content/uploads/sites/10/2025/06/Sentencas-Publicas-Arbitrais-%E2%80%A2-Vol.-4-Outros-%E2%80%A2-Imobiliario-Financeiro-e-Energia.pdf